“Depois do curso terminado agora é procurar estágio na área, e prepara-te porque vai ser difícil…”. E foi neste contexto que surgiu uma proposta para fazer algo diferente do que está standardizado. Foi das primeiras vezes que pensei menos de duas vezes acerca de um assunto importante e ainda bem! Não fosse eu mudar de ideias.
O projeto foi na Polónia, em Lodz (Lodz significa barco em polaco), durante dois meses. O intuito foi fazer parte da organização da 3ª edição de um festival multicultural que se desenvolveu em 3 dias – o International Boat of Culture Festival.
Foi o que considero uma grande sorte um projeto destes se ter atravessado no meu caminho. É impressionante como a vida e os objetivos podem mudar a 180º em tão curto espaço de tempo.
Depois da entrevista com a organização da Kobiety (organização de acolhimento) e da confirmação que ía mesmo embarcar neste projeto restavam-me 4 dias para a viajem. Estava completamente eufórica e nem sabia eu o que me esperava. Não houve muito tempo para pensar, e mal dei por mim estava no aeroporto a dar o último abraço aos meus pais e a seguir o meu caminho prestes a entrar no avião.
Foi a primeira vez que viajei sozinha e foi a melhor viajem da minha vida. Que sensação de liberdade! E de receio do desconhecido, não nego, mas preferi encará-lo como algo desafiante.
Assim que pouso em território polaco, apesar de ser de noite, o ambiente era tão diferente: o cheiro, o ar, as pessoas.
Entre esperas e transportes, finalmente cheguei ao hostel por volta das 3h da manhã. Já estavam todos a dormir, porém deu para conhecer a primeira colega de quarto, a Nora (da Bulgária) que acordou com a minha chegada.
No dia seguinte não demorou até conhecer as restantes colegas de quarto: a Lidija (da Croácia) e a Aleksandra (da Letónia) e os colegas do quarto ao lado: o Yavuz (da Turquia), o Manuel (de Itália) e o Fran (de Espanha). Foi com este grupo de 7 voluntários que começámos as primeiras atividades e fizemos os jogos de team-building para ficarmos mais à vontade uns com os outros e começarmos a conhecermo-nos melhor. Mais tarde juntaram-se a nós os 3 voluntários que faltavam: a Estefanía (de Espanha), a Rita (de Portugal) e o Nikola (da Macedónia). E foi com estas 9 diferentes e fantásticas pessoas que eu vivi durante 2 meses.
Foi um grande desafio dividir um quarto tão pequeno com 5 raparigas, mas felizmente conseguimos gerir a situação bastante bem. O mais desafiante foi a altura das refeições. Eramos dez voluntários, cada um com os seus hábitos alimentares e para além de partilharmos um frigorífico e umas prateleiras, havia apenas dois bicos de fogão. Mas para ser sincera não mudaria nada dessa experiência. Não tínhamos outra opção a não ser partilhar e todo o compasso de espera para podermos cozinhar deu espaço para muita conversa e muitos dos melhores momentos… a cozinha era um importante ponto de encontro e de troca em todos os aspetos.
Também conhecemos muita gente de fora que vinha passar temporadas ao hostel e com quem metíamos conversa, durante a hora da refeição. Cheguei a provar arroz Ghee, que um rapaz indiano nos deu a provar, é ótimo!
O festival tardava pouco em chegar. Era tempo de conhecermos o office e todos os voluntários de longa duração, também ao abrigo da Kobiety, que foram uma grande ajuda para quando tínhamos alguma dúvida no dia-a-dia. Estes voluntários vinham igualmente de diferentes locais a Europa… Conheci muita gente! E em tão pouco tempo. Era com alguns deles que íamos saír e foi também assim que descobrimos sítios incríveis.
Lodz é bonito durante o dia mas também durante a noite. Toda a vida pública e reunião de pessoas passa-se na rua principal – a Piotrkowska. È uma rua extensa e Florida onde podemos encontrar no piso térreo lojas de roupa e acessórios, sapatarias, toda uma variedade de restaurantes de diferentes nacionalidades, nunca esquecendo os mini-mercados – os zabka, e as lojas de bebidas alcoólicas. É uma rua com uma vida fantástica praticamente sem carros e sempre com muita gente, muitas delas de bicicleta. Outro facto interessante é a forma como se organiza a cidade. A partir desta rua tínhamos as entradas nos edifícios que iam dar a pátios interiores muito acolhedores e agradáveis onde haviam mais restaurantes, hotéis, galerias de arte, etc. Vou recordar locais como o Niebostan, que é um desses pátios, onde durante o dia se pode comer um hambúrguer vegetariano delicioso e durante a noite proporcionou-me uma das melhores festas a que fui – a noite balcã.
Locais como o Casablanca, o Lodz Kaliska club, ou o fantástico café do Language Exchange eram muito agradáveis, mas o principal local que vou recordar é o OFF Piotrkowska. Era o sítio onde todas as semanas íamos e uma das melhores e mais agradáveis zonas para se sair tanto durante o dia com restaurantes como o “Good morning Vietname”, quer durante a noite. Era o sitio ideal, em plena cidade, para relaxa nas mil e uma espreguiçadeiras que lá haviam enquanto conversávamos e bebíamos um copo ou assistíamos ao cinema ao ar-livre que tinham por esta altura.
Começámos finalmente os preparativos para o festival que combinava atividades diversas: mini disco, troca de roupa e comida, human library (onde pessoas que sofrem de algum tipo de descriminação são tidas como um livro que pode ser alugado por outra pessoa por 20 minutos e durante esse tempo espera-se que conversem e se esclareçam dúvidas), atividades infantis, concertos, workshops, etc. Eram sempre atividades propostas e executadas pelos voluntários. Eu, por exemplo, propus o workshop de reciclagem, onde fizemos instrumentos musicais e o warm up do workshop de improviso musical, onde fizemos uma human orchestra. Para além disso ajudei na organização dos concertos, desenhei o mapa do festival e ainda tomei parte na decoração dos espaços. Foi todo um trabalho árduo para que tudo tivesse o melhor possível tendo em conta o tempo e os recursos que tínhamos.
Chegado o grande dia, o do começo do Festival, no maravilhoso espaço do Book Art Museum, estava a chover torrencialmente. Como grande parte das atividades eram ao ar livre, apesar de termos tendas, não apareceu muita gente, tivemos apenas a visita das crianças dos colégios onde trabalham os voluntários. Como éramos imensos voluntários fizemos nós a festa, comemos pizza e apesar de sermos praticamente só nós nunca deixámos a festa decaír.
No segundo e principal dia do festival, as condições eram mais favoráveis e revelou-se um dia fantástico. No workshop de instrumentos musicais não tinha mãos para tantos pedidos! E muita gente utilizou esses instrumentos para o workshop de improviso musical, workshop que também adoraram. Foi um dia cheio de emoções, a zona dos concertos deu oportunidade a muita gente de várias nacionalidades de demonstrar o seu talento. Os concertos eram cada vez melhores, até que no final toda a gente se reuniu numa grande festa a dançar ao som da música.
Foi um grande desafio e que me ensinou muita coisa, não só em relação às atividades que propus no festival como também a outras que surgiram e que tive de ajudar, como face painting! Mas não foi só em relação a competências artísticas, essencialmente ensinou-me quanto à importância de gerir as espectativas, o stress, o saber dizer “não” quando já temos imenso trabalho para fazer. Também me demonstrou uma vez mais a importância da cooperação entre todos, da tolerância e do diálogo quando algo não está a correr tão bem. A flexibilidade e encarar a mudança de planos como algo normal e que até pode trazer coisas boas.
Todo este projeto, quer antes quer depois do festival, visou sempre a abordar a multiculturalidade como foi o caso: do neighbour’s day, onde aproveitámos para promover o festival e tivemos contacto com a cultura polaca pela primeira vez. Dançámos folclore polaco, e provámos as mais apreciadas iguarias dando em troca especialidades das nossas terras; e das noites gastronómicas onde cada um cozinhava um prato e/ou sobremesa tradicional e comíamos todos à volta da mesa, ao som das músicas temáticas ou de uma coletânea que agradasse a todos.
Em paralelo tivemos também workshops que para mim foram de extrema importância. Fizeram uma grande diferença na forma como agora encaro o meu futuro e o meu percurso. O primeiro workshop foi de o de “Design Thinking” onde nos foi dado as bases para aplicação deste conceito na nossa vida profissional, nomeadamente no festival, e que também se aplica à nossa vida pessoal. Tivemos a oportunidade de entrevistar experts em eventos de cariz cultural. Praticámos o exercício de ter um problema e tentar descobrir a sua raíz, o verdadeiro problema que origina a situação atual. Depois arranjar uma solução mesmo que pareça disparatada, pois em grupo é possível que um ponto de partida aparentemente disparatado dê origem a uma boa solução. Só há que ter coragem e não ter medo de chegar às pessoas, a quem é suposto melhorar a vida com a nossa criação. Tem tudo a ver com as pessoas, independentemente da nacionalidade, cor ou género.
O outro workshop, que foi das melhores coisas nestes últimos meses, foi o workshop Changemakers course. Este consistia na intensa partilha de história de pessoas que dedicam a sua vida a tentar melhorar a vida das outras e que realmente fazem a mudança. Tivemos de encontrar um problema na nossa sociedade (de origem ou em Lodz), descobrir mais uma vez o que está na raíz desse problema e fundar um projeto que poderíamos continuar depois do curso. Foi extremamente inspirador pois no meu caso peguei num tema que me toca profundamente e que gostava de tomar parte na sua solução com aquilo que melhor sei fazer – a questão dos refugiados na Europa. Incorporando a profissão que pretendo seguir (arquiteta) o meu projeto foi criar um sistema modular de habitação temporária para construir nos campos de refugiados para que tenham melhores condições de vida. O tema dos projetos foi alcançado tendo sempre uma importante componente de introspeção, como se buscássemos o que mais nos faz bater o coração e fazer disso o nosso objetivo na vida, mesmo que por vezes fuja ao que tínhamos previamente pensado.
Foram, de facto, importantes workshops. Foi uma saída constante da nossa zona de conforto, desde o simples exercícios de brainstorming, aos exercícios de discurso em público. Fizeram praticar o mindfullness do aqui e agora, mas tambem abriram os meus horizontes para o futuro, fazendo-me pensar que de facto é necessário sair dessa zona de conforto para que coisas diferentes aconteçam verdadeiramente.
É tão difícil resumir os dois meses na Polónia, foi uma temporada curta mas extremamente intensa e impossível descrever na sua totalidade.
Mas nunca esquecerei a ida a Wroclaw e a Praga com o Yavuz e a Lidija. Nunca esquecerei as gargalhadas e os serões à guitarra com a minha irmã Estefanía, a música escrita e composta com a Nora, as conversas e momentos de reflexão com a Lidija, as gargalhadas da carinhosa Aleksandra. Todas as conversas, gargalhadas e apoio do Yavuz, os momentos mais divertidos e que guardarei da dupla Fran e Manuel, e do sentido de humor da Rita e do Nikola! Eramos muito amigos e estávamos sempre a demonstrá-lo. Tive muita sorte com o grupo com que calhei, mas também aprendi que a flexibilidade é algo muito importante para conseguirmos lidar com as pessoas.